segunda-feira, 14 de abril de 2014

Feira de Caxixis 2014

HISTÓRIA

Extraído do livro Guia Histórico da Cidade de Nazaré - 2ª Edição Revista e ampliada.
de Abinael Moraes Leal

A Feira dos Caxixis é uma feira de cerâmica – popular, onde se vende variedade de louça-de-barro. Realiza-se todos os anos na histórica cidade de Nazaré, no Recôncavo Sul , durante a Semana Santa.
A tradição da existência da Feira dos Caxixis, perdeu-se no tempo e ninguém sabe quando começou. Segundo a opinião de muitos (entre os quais está o saudoso Anísio Melhor), data presumivelmente de quase trezentos anos. O costume do comparecimento para vender a louça bonita com passado de pai a filho como também tem passado a tradição artesanal da cerâmica.

ORIGEM DA FEIRA DE CAXIXIS
A tradição popular conta que um oleiro chamado Patrício, natural da Vila de Maragogipinho, município de Aratuipe, numa Sexta-Feira Santa subiu o rio Jaguaripe levando uma canoa cheia de objetos de barro feitos à mão para vendê-los em Nazaré. O sucesso das vendas foi tão grande que no ano seguinte ele voltou, desta vez acompanhado de vários outros oleiros. Iniciava-se, assim uma tradição que já soma mais de três séculos e é o mais antigo evento ceramista do País. Ainda hoje os produtos de cerâmica são produzidos na Vila de Maragogipinho. Originalmente comercializavam-se apenas miniaturas de louças de barro, hoje são vendidos inúmeros produtos artesanais, principalmente artigos de cerâmica. Recebe artesãos e visitantes de inúmeras partes do Brasil e até do exterior. Período: da Quinta-feira Santa ao Domingo de Páscoa. Local: Centro da Cidade e arredores. Organização: Prefeitura Municipal de Nazaré – Apoio Associação dos Oleiros dce Maragogipinho e Prefeitura Municipal de Aratuípe.

O acontecimento é um misto de feira e festa, chegando ao auge de movimentação na noite de sexta-feira Santa. Mas, desde quarta feira já se encontram alguns oleiros com seus lotes de louças em exposição,- antigamente em esteiras estendidas, - hoje em prateleiras ornamentadas pela comissão dos festejos, ocupando logo os principais pontos da praça Alexandre Bittencourt – a principal da cidade, onde se erguem fronteiros o histórico “Prédio dos Arcos” e o velho casarão do então "Hotel Colombo", ambos a poucos metros do cais e da ponte Peltier de Queiroz que atravessa o romântico Rio Jaguaripe.

Vê-se na margem oposta um imponente solar barroco – o Solar dos Sampaio -, com escada da porta central mergulhando nas águas mansas do rio. São este os elementos essenciais do cenário encantador onde a feira vai se formando, crescendo, até dominá-lo quase todo.

ORIGEM DOS CAXIXIS
Os caxixis são miniaturas da louça grande, caprichosamente trabalhadas e originariamente destinadas a uma finalidade de brinquedos. Moringas pratos, panelas, fruteiras, tigelas, frigideiras, cálices, quartinhas, etc. que segundo o folclorista, escritor e historiador nazareno Alexandre Lopes Bittencourt no seu trabalho apresentado ao I Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951, “tudo pequeno, destinado ao enlevo e à alegria dos meninos”.

Entre todas as peças do gênero caxixi, destaca-se a tradicional criadinho mudo, sempre procurando pelas meninas para se colocado à cabeceira da cama de suas bonecas. Pelo sentido de curiosidade que desperta como por sua originalidade, o que lhe dá uma certa função decorativa, o caxixi não deixa de interessar, também, aos adultos.

Apesar da louça-de-barro em miniatura ser uma espécie de arte-popular encontrada em diversos pontos do país, foi na Bahia que mais se vulgarizou e se revestiu de tipicidade, a ponto de constituir uma manifestação específica e particularmente denominada caxixi. As suas origens, segundo alguns estudiosos, devem estar ligado à tradição oleira de Portugal.

Demonstra-nos o historiador Armando Lucena que os barros de Niza, de Estremoz e Bisalhões desde muito tempo apresentavam essas miniaturas e, de um modo geral, com as mesmas características do caxixi, como nos é possível compreender. Entre todos, dá maior relevo aos pucarinhos de Bisalhões: “Ao lado dos de Niza e de Entremoz, diferentes pelas decorações florais que possuem, têm um cantinho, à parte, os minúsculos pucarinhos de Bisalhões, nas proximidades de Vila Real, cuja especialidade é o fabrico da louça preta. São verdadeiros mimos de graça, tão pequenos e tão lindos que talvez lhes pudéssemos chamar a infância da louça de barro, porque os seus modelos extremamente diminutos reproduzem toda a escala da louça grande. Com eles se formam colares, colares de pérolas negras que os rapazes oferecem às raparigas das suas aldeias e que elas depois colocam sobre o peito”, diz o folclorista Armando Lucena. A referência nos faz pensar que essas miniaturas portuguesas sejam de formato bem menor que o do caxixi baiano, pois só assim com elas se poderia formar colares; mas fora este ponto divergente, o resto é estreitamente semelhante, inclusive na tradição de ser utilizado como presente de namorados.

Nada impede que também se suponha alguma relação entre o caxixi e as outrora chamadas “Louças de Deus”, as quais, durante os séculos XVIII e XIX foram bastante divulgadas, principalmente no Rio de Janeiro. Eram trabalhos de escravos, conforme explica Gastão Cruls no seu livro Aparência do Rio de Janeiro: " Insistindo, porém, a respeito daquele abuso tão grande de número de feriados, quem mais lucrava com isso eram os pobre escravos. Dia de santo era dia de folga. Podiam então trabalhar por conta própria, fazendo uma coisinhas, louça de barro ou copos, jarros e pichorras, recortadas no fruto da cabaceira, e que iam vender aos domingos para, conseguir uns minguados cobres. E porque assim eram feitos, nos lazeres dos dias consagrados à Igreja, esses objetos eram conhecidos por “Louça de Deus”. A possibilidade da relação não está propriamente na louça-de-barro feita pelo escravo, mas nos objetos que confeccionaram recortando o fruto da cabeceira. Geralmente eram peças de tamanho reduzido: moringuinhas, pratinhos, jarrinhas, etc. . como ainda hoje não raro encontramos pelo interior.

No intuito de podermos explicar a origem do caxixi os estudiosos não acharam mais do que essas duas fontes. Da primeira, conclui-se que essas miniaturas de louça-de-barro representam uma velha tradição na arte popular portuguesa. Pela segunda ficamos sabendo que objetos semelhantes eram confeccionados no Brasil, pelos escravos, se cortando cabaças. Se alguma hipótese havemos de levantar, preferimos o apoio da primeira. De fato parece-nos razoável considera-se o caxixi - como manifestação especifica da cerâmica popular - mais uma resultante da influência colonizadora que, como as demais, em grande parte se desfiguram, adquirindo, inclusive, denominação nativa. A PALAVRA CAXIXI

A denominação caxixi vem constituindo um problema de terminologia folclórica no campo de nossa arte-popular. A palavra tem sido mencionada com reservas de mistério e insegurança quanto a sua formação e seu uso para denominar um determinado tipo de cerâmica. Pelo que se imagina, até hoje, apenas Cecília Meireles esboçou uma tentativa de explicação para a “misteriosa palavra”, como ela mesma diz. A ilustre folclorista supõe a possibilidade do termo caxixi haver derivado de “cochicho” – aqueles apitos de barro, já usados em Portugal, que, cheios d’água, quando soprados imitam a voz do pássaro do mesmo nome de “cochichos”, daí a razão porque pondera: “E a palavra “cochicho” nos faz lembrar sem queremos fazer aqui nenhuma afirmação etimológica definitiva - o termo “caxixi – cuja explicação não encontramos – e que, na Bahia, designa miniaturas de louça, executadas em barro, utilizadas como brinquedos, para crianças e presente de namorados”. E mais adiante: “Os filólogos é que poderão dizer se ela (a palavra caxixi) pode provir de “cochicho”," cochichinho”, - o tal assovio de água – mas a verdade é que não foi enumerado pelo autor do livro O Artesanato na Bahia-Recôncavo, Carlos José da Costa Pereira, entre as peças encontradas na interessante feira”. Refere-se ao opúsculo de Alexandre Bittencourt – “A Feira de Caxixis "– já mencionado aqui. Primeiro, diga-se de passagem que assovios são muitíssimos usados na famosa feira. Não propriamente o “cochicho”, mas assovios de barro com a forma de uma chave que, na verdade, o autor esqueceu, ou não cuidou da importância de mencionar. Todavia, embora pareça estarmos favorecendo a hipótese da eminente Cecília Meireles, dela discordamos inteiramente; mesmo porque, esses assovios, no Brasil, popularmente são mais conhecidos como “curió” nomenclatura que também relaciona a um passarinho cujo canto imitam. Por outro lado a palavra caxixi tem em nossa língua uma outra significação, indicando a aguardente ordinária, de 14 a 18 graus. Porém, ainda não é com este sentido que desvendaremos o segredo de seu emprego na caso da cerâmica. Talvez quanto ao vocábulo significando miniaturas de louça-de-barro, é a de que ele seja derivado de caxixi – termo regional do Sul da Bahia, empregado para indicar logro, esperteza, ratonice e coisa semelhante. Assim, a palavra não surgiu diretamente ligada à louça e sim, à grande feira que todos os anos, durante a Semana Santa, se realiza em Nazaré para vendê-la. Uma das tradicionais atitudes populares durante a feira era justamente furtar a louça. Isto era uma diversão de praxe, característica mesmo do acontecimento. Enquanto compravam muitos procuravam confundir o vendedor, tumultuando a escolha, trocando, separando peças; aproveitam-se da confusão reinante, motivada pela aglomeração de pessoas sobre o lote de objetos, sem que o vendedor, atordoado pelo vozerio e pelo movimento, possa prestar atenção a todos. As peças são pequenas e podem com facilidade ser rapidamente colocadas no bolso, numa cesta que se traga ao braço, dentro duma peça maior (um jarro ou uma panela adquirida com esta finalidade) ou sorrateiramente passada para alguém que de propósito se conserva atrás. Ao fim de tudo, “honesta e seriamente” pagam mas pagam em geral a metade daquilo que levaram. Veja-se o que se diz sobre o fato um grande conhecedor da feira, Alexandre Lopes Bittencourt: “Como nos anos passados, do roubo de louça, praticado pelos meninos e pelos rapazes irrequietos, se originam conflitos, carreiras e arranhões. Quebram-se vasos, à vontade. Vozes veementes protestam. Cruzam-se insolências de bocas devassadas." Esta é a exceção, contudo verdadeira e não muito rara. O normal era a tapeação se conservar na maior tranqüilidade, sendo o mesmo vendedor logrado duas ou três vezes pela mesma pessoa. O tumulto, quando ocorria da oportunidade ás crianças e a molecada, roubando a louça acintosamente e fugindo aos gritos de “pega-pega”! O mesmo não acontece com aqueles que se esmeram na arte de furtar, dos quais aparecem na feira verdadeiros mestres, que ainda tornam amigos do feirante. Hoje, o costume vai-se aos poucos desaparecendo. É dessa forma praticado o ato do caxixi com todas as suas peculiaridades, expressando, com requintes, a habilidade do caxixeiro – como também chamava no Sul da Bahia, especialmente em Ilhéus e Itabuna, aqueles que iludem a outrem nas transações e negócios de dinheiro. Em sua “Onomástica Geral da Geografia Brasileira”, Bernardino de Souza nos dá a completa explicação do vocábulo caxixi, que merece ser transcrita na íntegra: “Caxixi: termo do sul da Bahia, muito correntio nos Municípios de Ilhéus e Itabuna, designativo de engano, logro e esperteza exercidos na obtenção de terrenos cacaueiros, fazendas, etc. Para aqui trasladamos, sem mudar palavra, o que a respeito nos escrever o Dr. Ruy Penalva, brilhante espírito, fazendeiro na referida zona. "Caxixi: é um roedor das nossas florestas, pequeno, forte e ágil. Um demônio de vivacidade. Se não é o esquilo, que nunca vi serão pintado, parece em extremo. Conhecem-no (e talvez já não exista ali) no Norte da Bahia, com o nome de Caetité. Aqui, chamam-lhe cotia de pau, papacôco e, mais comumente caxixi sem o intermédio do marsúpio, lembra o último estágio do murídeo em transição para o pequeno símio inferior (sagui), cuja evolução parece ter-se frustrado.Na gíria local, caxixe eqüivale a ratonice, lougro, esperteza. Um furto, um roubo não constituem caxixe. A traça do negócio tem que revestir aparências honestas, exterioridades defensáveis para merecer as honras do caxixi. Ainda quando a violência colabore no arranjo da melqueira, o disfarce ilude, ocultando-a. É a trapaça; ilude a boa fé dos incultos e joga, por vezes com a velhacaria da própria vítima. À força de ser roubado, o matuto tem o instincto jurandi é uma das melhores e freqüentes armas do caxixeiro é acenar à vítima com a possibilidade de prejudicar a outrem. Ligam-se, para logo, o caxixeiro e a vítima, transigem com a mais absoluta confiança e lá se vai roubado o trouxa que se entregará à discreção para prejudicar a interesses de terceiros. O vocábulo tem um poder de expressão pinturesca.

O caxixe escapa à mais consumada maestria do escopeteiro que o não conheça. Tenho visto alguns, abrigados em acidentes de árvores, inatingíveis. A curva de um galho bem aproveitada é uma trincheira. Outras vezes cai debaixo da mira e no momento de comprimir o atirador o gatilho, quando já não pode suspender o movimento, o vivaz diabinho ocupa posição diametricamente oposta. Contornou o tronco e escondeu-se, ou desceu, ou subiu um metro e, de cabeça voltada para nós, passou a ter a cauda voltada para baixo. Esta, muitas vezes, lhe serve de disfarce. Num galho seco, com o pelo abundante e relativamente longo, ouriçado, deitado a fio sobre o dorso, dá a impressão perfeita de uma casa pequena de maribondo, a que chamamos tatu. A figura-se-me uma intuição genial a do matuto que assim designou a esperteza! Do exposto, parece-nos perfeitamente lógica a conclusão do termo caxixi não haver sido originariamente aplicado à louça, mas à feira, como derivado por modo errado de escrever ou falar a palavra caxixi – Feira do caxixi – e, por extensão, passando a designar a espécie de cerâmica nela comerciada com prioridade.

" LOUÇA GROSSA" E "MIUÇALHA"
A louça-de-barro produzida em Maragogipinho dividi-se, no conceito dos artífices, em dois grandes grupos: “Louça Grossa” e “Miuçalha”. A “Louça Grossa” compreende as peças maiores, via-de-regra apenas brunidas ou apresentando ligeira decoração feita com tauá – arabescos com composições derivadas de espirais ou motivos florais -, podendo-se incluir neste grupo as moringas pintadas com tinta-esmalte. São os potes, porrões, talhas, resfriadeiras, moringas, cacos, cestos, vasos, bilhas, panelas, alguidares, frigideiras, caborés, etc. Estes últimos, essencialmente utensílios de cozinha, são confeccionados em barro amarelado, com ligeiro vidramento interior. Os demais compreendem a louça brunida, manufaturada em barro vermelho. As moringas obedecem a uma classificação original. As decoradas com esmalte são as de maior tamanho e denominadas “moringas de preço”(mais caras). As outras, menores, quer sejam ou não pintadas com tauá, são as moringas comuns”. A “louça grossa” é toda ela trabalhada em torno, sendo que as peças maiores (como os porrões, as talhas, as resfriadeiras e os portes) são feitas em duas partes, “soldando-se”depois uma outra com acabamento que deixa a emenda praticamente imperceptível. Também as moringas são feitas assim; primeiro bojo, depois a “boca” ) gargalo, seguindo-se a operação de juntá-los. Sobre os recursos tecnológicos dos oleiros de Maragogipinho, não há muito para aprendermos em comentários. O equipamento resume-se na “roda” – torno ampliado em bancada e não apenas o prato giratório – e um pedaço de bambu (a “cana”) servindo como ferramenta auxiliar da operação de torneagem. Para o trabalho de brunir, é tudo também muito simples. Basta um seixo (liso e roliço) e um trapo qualquer. Utilizados ao mesmo tempo pela brunideira, enquanto o seixo raspa a superfície porosa do barro, o trapo “puxa o brilho”.

No grupo da “Louça Miuçalha”, estão as quartinhas, mealheiros, tigelas e panelinhas pintadas, apitos, jarrinhas, incensadores, pequenas botijas e outras peça menores. Também aqui se incluem os famosos “caxixis” que serão objeto de estudo especial em capítulo posterior.

A "miuçalha” não é um artigo preponderante entre todos produzidos. São trabalhos de aprendizes, quer nas confecção quer na decoração. Por essas pequeninas peças é que as mulheres também se iniciam nas técnica da pintura. Valem por ser graciosas miniaturas, bastante decorativas, algumas das quais já deixando transparecer as qualidades do artista em formação. A decoração da cerâmica de Maragogipinho apresenta-se de duas maneiras: pintada com tinta-esmalte e pintada com tauá. Ao fazermos uma rápida análise destas duas espécies de pintura, verificamos que ambas nitidamente correspondem a duas influências diferentes. Dos motivos ornamentais pintados com tauá, os mais característicos são os que aparecem nos potes, nos porrões, nos alguidares e em alguns cacos- composições baseadas em arabescos espiralados que deixam quase expressa a sua origem nos motivos serpentiformes da arte indígena, aliás peculiares às tribos que habitaram os sertões baianos. Não raro também, “abrem uma rosa” ( como dizem) – motivo baseado na flor, parecendo apresentar evidente inspiração européia.. As talhas e as resfriadeiras, outrora ricamente ornamentadas com decoração em relevo, são hoje mais simples, apresentando figuras geométricas isoladas, denunciando estilização de folhas.

Porém é na pintura a tinta-esmalte que as decoradoras de Maragogipinho se esmeram em transmitir a sua arte. Sem nos referirmos às “miuçalhas”, são as moringas as peças principais deste tipo de pintura. O floral é o motivo mais freqüente, ressaltando-se a tricomia do verde, vermelho e amarelo, fazendo fundo para os traços brancos e pretos ao centro da figura. O conjunto resulta vistoso e com linhas bem equilibradas em relação ao campo em que é aplicado. Além deste, há o motivo paisagem, muito variável, mas sempre apoiado em três elementos básicos e tradicionais: a casinha, o rio e a árvore – o que demonstra a inspiração oriunda do próprio ambiente, embora a idéia seja alienígena.

Fora disto, existe uma variedade imensa de decorações, mormente na “miuçalha”, que chega até à aplicação de pequenas manchas multicoloridas sobre um fundo verde, vermelho ou amarelo. Atualmente, conforme já nos referimos, iniciaram uma fase nova com a pintura que denominam “funcional” e que pode ser conseguida com a imersão e o rolamento da peça num tabuleiro onde se misturam esmaltes de várias cores ou pelo escorrimento destes mesmos esmaltes de maneira irregular pela superfície da peça. Disto resulta um efeito cromático de aspecto marmoreado, cuja aceitação ainda é cedo para se avaliar. Embora as peças assim decoradas sejam ainda em número reduzido, denota-se uma tendência à generalização que não nos parece de todo promissora.Toda a produção do caxixi se verifica na comunidade de Maragogipinho, onde estas miniaturas pertencem ao grupo das “miuçalhas”. A confecção das “miuçalhas” é quase sempre um processo de aprendizagem, motivo pelo qual o acabamento e a delicadeza da peça irão variar na razão direta da habilidade e do adestramento que já possua o aprendiz. Também não é excepcional o caso em que possa ser considerada como atividade recreativa, exercida pelas mulheres e meninas. No conjunto dos artigos manufaturados em Maragogipinho, a “miuçalha”, englobando os caxixis, coloca-se em segundo plano na avaliação do interesse econômico – comercial, melhor dizendo - que venha a ter para as olarias. Não obstante jamais deixou de ser produzido porque sempre encontrou aceitação no mercado e vale para os oleiros como um recurso de enchimento de forno. Tem um consumo ordinariamente reduzido, pois são poucas as peças do gênero capazes de atender a uma finalidade utilitária. A grande maioria, quase totalidade, tem fins decorativos ou lúdicos, destacando-se com proeminência a caxixi propriamente dito. Fazemos uma ressalva porque atualmente generalizou-se a denominação caxixi para todas as peças que os oleiros de Maragogipinho consideram como integrantes da “miuçalha”, quando até mesmo para eles o caxixi verdadeiro é um produto dentro do grupo de peças menores que as demais, com nítidas características de miniaturas e raramente decoradas com tinta esmalte (ao contrário de miuçalha em geral), pois via-de-regra são vidradas, apresentando uma cor só. O mais comum é o caxixi amarelo, vidrado com óxido de chumbo, também havendo o caxixi esverdeado – vidrado com o sulfato de cobre, o caxixi violeta forte – vidrado com permanganato de potássio e o caxixi de tonalidade castanha – vidrado com permanganato de cálcio. Mas se há pouco dissemos que essa peças têm um consumo ordinariamente reduzido, por outro lado são alvo de uma procura espetacular durante a grande Feira de Caxixis que uma vez por ano se realiza em Nazaré. Não se vá pensar, todavia que esta feira tradicional seja exclusivamente dedicada ao caxixi. Apesar da quantidade de “miuçalhas” nela exposta, também a “louça grossa” lá se encontra exuberantemente representada; daí porque a Feira embora se popularizasse com uma designação que parece restringi-la, torna-se uma espécie de feira-de-amostras anual dos produtos cerâmicos de Maragogipinho. Assim, o caxixi e as demais “miuçalhas” aparecem como veículos de propaganda, como elementos motivadores para a compra da “louça grossa”, de comércio mais compensador.

Enfim, a conclusão lógica de tudo isto está no sentido da tipicidade da cerâmica de Maragogipinho, o qual, em termos comerciais, poderia ser classificado como "linguagem da mercadoria".

“QUARTA-FEIRA MAIOR”.
A Quarta-Feira de Semana – chamada pelos mais antigos “Quarta Feira Maior” é o primeiro dia. Ainda é pouco o movimento. Apenas aqueles visitantes mais antecipados vêm ver as novidades chegadas, procurando adquirir logo as peças originais e aproveitar para apreciar a abertura da Feira dos Caxixis. Entretanto, existem vendedores que nem abre seus fardos de esteiras e cestos com a louça embalada. Vieram unicamente com o intuito de “tomar o ponto” e ali ficam dia a noite, reversando-se com os sócios ou ajudantes – parentes em geral -, aguardando o maior afluxo de compradores.
Ao correr do dia aportam a todo instante canoas e saveiros – hoje um fase de extinção -, descarregando a louça trazida de Maragogipinho. Muita coisa vem por terra, transportada em cangalhos, no lombo dos jumentos. Novos pontos vão sendo tomados. Olhe-se a praça de cima e ver-se – a aqui e ali manchas coloridas, com predominância do vermelho, da louça já arrumada. À noite, começa a algazarra ensurdecedora dos apitos comprados pela garotada. Estes apitos, com o formato parecido ao de uma chave, dos quais os feirantes trazem sacos ou caixotes cheios para vender, são tradicionais na feira e a sua venda em larga escala resulta num atordoador fundo musical para o acontecimento. A garotada dos dias atuais já não cumprem o mesmo ritual.

“QUINTA-FEIRA MAIOR”
Na manhã de “quinta-feira Maior," mais louça vem chegando. Área bem maior já ocupada na praça. O povo a pouco começa a convergir para o local. Alguns oleiros chamam os visitantes, querendo eles mostrar as peças. Há quem já começasse a vender. As compras ainda são poucas e o pessoal vem mais para olhar, perguntar preços, enfim, para ter uma impressão geral da feira. Quem aproveita a tarde deste dia, ainda caracterizada pelo desembarque de louça e faz um passeio a Maragogipinho, durante a viagem cruza a todo instante com as embarcações que sobem o rio, carregados de cerâmica. Ao chegar ao cais do destrito, presenciam um grande corre-corre. Muita gente trazendo, embarcando, conferindo, selecionando e arrumando louça. Tudo afobados, todos apressados. A feira praticamente começou e agora qualquer atraso implicará em prejuízo. Quanto mais cedo as peças estiveram em Nazaré, será tanto maior a possibilidade de vendê-las todas. Demais, é preciso pegar ainda um bom lugar na praça, em local bem iluminado.
Há também o problema da maré que daqui a pouco entrará na vazante, tornando a viagem penosa, feita quase toda à força de varejão - grande vara que auxilia o timoneiro conduzir a embarcação - que embora os oleiros vêm trabalhando noite e dia, desde o começo de Quaresma, nas olarias e nas casas das brunideiras se presenciará a mesma labuta. Há muita louça por acabar, muito caxixi para ser pintado e peças que nem sequer foram ainda queimadas, hão de chegar à última hora. Os oleiros falam-nos da feira regozijados porque ela e a festa deles; mas não deixam de demonstrar um certo descontentamento, uma espécie de desilusão, se queixando de que tudo ainda muito difícil, o barro está caro e à medida que o preço aumenta, o tamanho das peças diminui. Não dá para quase nada. O preço do produto não permite que eles façam as obras suntuosas de antigamente. A Prefeitura de Nazaré cobra-lhes uma taxa pelo espaço que ocupam na praça durante os dias da feira, embora o Poder Público nos últimos anos venha revitalizando e apoiando os oleiros, ainda há os que perderam todo o interesse e não se fazem representar. Um outro grupo de oleiro se esforça e luta por reconquistar o encanto perdido, procurando engrandecer o espetáculo, tentando por todos os meios levantá-lo. O povo prestigia, acorrendo em massa, porém os próprios oleiros acorrendo em massa, na sua rusticidade, sentem como nós que o acontecimento vai gradativamente se desfigurando, perdendo a intensidade tradicional. O importante entretanto, é que ainda existe e, apesar de decadente há algumas décadas atrás, deixa-nos a impressão de com o apoio de novas administrações municipais de Nazaré, a feira viverá por longo tempo, com possibilidades até de ser renovar e engrandecer, desde que compreensão dos poderes públicos estimule ainda mais e oriente a disposição popular.

O PONTO ALTO DA FEIRA
Ao cair da tarde de quinta-feira, a praça já está cheia de louça e repleta de gente. A feira já começou propriamente. Moças e rapazes fazem o giro costumeiro de todos os anos. Muitas delas passeiam sobraçando moringas vistosas ou com as mãos cheias de caxixis. Ao redor dos vendedores curvam-se os grupos de pessoas comprando ou examinando a louça exposta. Já começaram os furtos jocosos. Inúmeros senhores trazem os filhos pequenos que se encantam na orgia colorida da “miuçalha” e querem comprar tudo que vêem. A zoeira dos apitos se propaga por todos os cantos. Há os que vendem muito, os que vedem pouco e os que ainda não venderam nada. Alguém reclama que a feira está fraca e houve a informação de que há mais barcos por chegar. De fato, Os últimos barcos vão chegando, ora um, ora outro, espaçadamente.
Essa é a hora boa para se “correr a feira” e, talvez, melhor dia, porque se tem oportunidade de escolher as melhores peças logo à chegada, sem o tumulto do dia seguinte. Hora melhor porque ao frescor da tarde, com a sol poente, ainda com luz natural, se pode observar bem os objetos e escolhe-los com segurança. Aproximado-se o horário do jantar, a movimentação resguarda a energia para novamente intensificar-se à noite. Noutras épocas à noite, apesar do movimento maior, não é tanta a beleza do espetáculo, pois o colorido da cerâmica perde o efeito sob a luz elétrica incipiente. Bruxuleiam os fifós, mal iluminando os artigos daqueles que se localizaram mais distantes dos postes. O ambiente agora mais favorece ao furto costumeiro do caxixi e, caindo aos poucos, a agitação da feira segue noite a dentro. Nos dias de hoje tudo é mais iluminado!

SEXTA FEIRA SANTA
A sexta-feira Santa é o último e grande dia. Não tem muita diferença dos demais, a não ser pelo movimento que atinge o auge, começando pela manhã e terminando alta madrugada. As solenidades sacras da “Procissão do Senhor Morto” atrai gente de todas as localidades vizinhas - principalmente na atualidade, quando um grupo de teatro composto de mais de vinte jovens representam a "Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo". O pessoal de Maragogipinho acorre a Nazaré, integrado-se no comércio da cerâmica. À tardinha, muitos feirantes já venderam quase todo o estoque, enquanto outras se lastimam por estar a louça “saindo mal” e, por falta de quem lhes ajudem, vivem sendo muito roubados. A essa altura, já chegou a canoa Estrela do Mar trazendo mais louças para a feira - está exposta à beira do rio; cuias, jarras, bonecas, cavalos e bois esmaltados que logo se esgotam pela grande procura. Compra-se muito e todos os vendedores querem acabar com a mercadoria para não levá-la de volta. Baixam os preços. As moringas baixam de preço. O caxixi de um real cai para cinquenta centavos. Trava-se a luta da concorrência e ecoam os pregões. Repentinamente a feira parece que se interrompe. O povo quase todo deixa a praça e o silêncio se faz. São seis horas; dobram os sinos da Matriz anunciando a saída da “Procissão do Enterro”. Depois o “Beija Pés”, e só lá pelas oito horas a multidão retorna. Ai, então, a feira vira festa que não tem hora para terminar, indo ao raiar do dia. Pode-se dizer que toda a cidade converge para a praça e ali, amaranhando-se em um vai-e-vem incessante por entre a louça espalhada no chão, - hoje caprichosamente expostas e prateleiras -, uns compram, outros furtam, outros apreciam...entre risos, piadas, conversas e tantas outras mais demonstrações de alegria festeira de povo reunido. Lembra-nos o dístico de “Largatixa”, a poetisa popular de Nazaré que deu graça a muitas feiras com a sua presença, como no faz lembrar o nosso folclorista e escritor Dr. Alexandre Lopes Bittencourt: “Que de povo, chi! pra comprar caxixi”.

disponível em: http://www.victoriareghia.com.br/?ID=6 acesso em 14 de março de 2014

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