HISTÓRIA
Extraído do livro
Guia Histórico da Cidade de Nazaré - 2ª Edição Revista e ampliada.
de
Abinael Moraes Leal
A Feira dos Caxixis é uma feira de cerâmica – popular, onde se vende
variedade de louça-de-barro. Realiza-se todos os anos na histórica
cidade de Nazaré, no Recôncavo Sul , durante a Semana Santa.
A tradição da existência da Feira dos Caxixis, perdeu-se no tempo e
ninguém sabe quando começou. Segundo a opinião de muitos (entre os
quais está o saudoso Anísio Melhor), data presumivelmente de quase
trezentos anos. O costume do comparecimento para vender a louça bonita
com passado de pai a filho como também tem passado a tradição artesanal
da cerâmica.
ORIGEM DA FEIRA DE CAXIXIS
A tradição popular conta que um oleiro chamado Patrício, natural
da Vila de Maragogipinho, município de Aratuipe, numa Sexta-Feira Santa
subiu o rio Jaguaripe levando uma canoa cheia de objetos de barro feitos
à mão para vendê-los em Nazaré. O sucesso das vendas foi tão grande que
no ano seguinte ele voltou, desta vez acompanhado de vários outros
oleiros. Iniciava-se, assim uma tradição que já soma mais de três
séculos e é o mais antigo evento ceramista do País. Ainda hoje os
produtos de cerâmica são produzidos na Vila de Maragogipinho.
Originalmente comercializavam-se apenas miniaturas de louças de barro,
hoje são vendidos inúmeros produtos artesanais, principalmente artigos
de cerâmica. Recebe artesãos e visitantes de inúmeras partes do Brasil e
até do exterior. Período: da Quinta-feira Santa ao Domingo de Páscoa.
Local: Centro da Cidade e arredores. Organização: Prefeitura Municipal
de Nazaré – Apoio Associação dos Oleiros dce Maragogipinho e Prefeitura
Municipal de Aratuípe.
O acontecimento é um misto de feira e festa, chegando ao auge de
movimentação na noite de sexta-feira Santa. Mas, desde quarta feira já
se encontram alguns oleiros com seus lotes de louças em exposição,-
antigamente em esteiras estendidas, - hoje em prateleiras ornamentadas
pela comissão dos festejos, ocupando logo os principais pontos da praça
Alexandre Bittencourt – a principal da cidade, onde se erguem
fronteiros o histórico “Prédio dos Arcos” e o velho casarão do então
"Hotel Colombo", ambos a poucos metros do cais e da ponte Peltier de
Queiroz que atravessa o romântico Rio Jaguaripe.
Vê-se na margem oposta um imponente solar barroco – o Solar dos
Sampaio -, com escada da porta central mergulhando nas águas mansas do
rio. São este os elementos essenciais do cenário encantador onde a
feira vai se formando, crescendo, até dominá-lo quase todo.
ORIGEM DOS CAXIXIS
Os caxixis são miniaturas da louça grande, caprichosamente
trabalhadas e originariamente destinadas a uma finalidade de brinquedos.
Moringas pratos, panelas, fruteiras, tigelas, frigideiras, cálices,
quartinhas, etc. que segundo o folclorista, escritor e historiador
nazareno Alexandre Lopes Bittencourt no seu trabalho apresentado ao I
Congresso Brasileiro de Folclore, em 1951, “tudo pequeno, destinado ao
enlevo e à alegria dos meninos”.
Entre todas as peças do gênero caxixi, destaca-se a tradicional
criadinho mudo, sempre procurando pelas meninas para se colocado à
cabeceira da cama de suas bonecas. Pelo sentido de curiosidade que
desperta como por sua originalidade, o que lhe dá uma certa função
decorativa, o caxixi não deixa de interessar, também, aos adultos.
Apesar da louça-de-barro em miniatura ser uma espécie de
arte-popular encontrada em diversos pontos do país, foi na Bahia que
mais se vulgarizou e se revestiu de tipicidade, a ponto de constituir
uma manifestação específica e particularmente denominada caxixi. As
suas origens, segundo alguns estudiosos, devem estar ligado à tradição
oleira de Portugal.
Demonstra-nos o historiador Armando Lucena que os barros de Niza,
de Estremoz e Bisalhões desde muito tempo apresentavam essas miniaturas
e, de um modo geral, com as mesmas características do caxixi, como nos é
possível compreender. Entre todos, dá maior relevo aos pucarinhos de
Bisalhões: “Ao lado dos de Niza e de Entremoz, diferentes pelas
decorações florais que possuem, têm um cantinho, à parte, os minúsculos
pucarinhos de Bisalhões, nas proximidades de Vila Real, cuja
especialidade é o fabrico da louça preta. São verdadeiros mimos de
graça, tão pequenos e tão lindos que talvez lhes pudéssemos chamar a
infância da louça de barro, porque os seus modelos extremamente
diminutos reproduzem toda a escala da louça grande. Com eles se formam
colares, colares de pérolas negras que os rapazes oferecem às raparigas
das suas aldeias e que elas depois colocam sobre o peito”, diz o
folclorista Armando Lucena. A referência nos faz pensar que essas
miniaturas portuguesas sejam de formato bem menor que o do caxixi
baiano, pois só assim com elas se poderia formar colares; mas fora este
ponto divergente, o resto é estreitamente semelhante, inclusive na
tradição de ser utilizado como presente de namorados.
Nada impede que também se suponha alguma relação entre o caxixi e
as outrora chamadas “Louças de Deus”, as quais, durante os séculos XVIII
e XIX foram bastante divulgadas, principalmente no Rio de Janeiro. Eram
trabalhos de escravos, conforme explica Gastão Cruls no seu livro
Aparência do Rio de Janeiro: " Insistindo, porém, a respeito daquele
abuso tão grande de número de feriados, quem mais lucrava com isso eram
os pobre escravos. Dia de santo era dia de folga. Podiam então
trabalhar por conta própria, fazendo uma coisinhas, louça de barro ou
copos, jarros e pichorras, recortadas no fruto da cabaceira, e que iam
vender aos domingos para, conseguir uns minguados cobres. E porque
assim eram feitos, nos lazeres dos dias consagrados à Igreja, esses
objetos eram conhecidos por “Louça de Deus”. A possibilidade da relação
não está propriamente na louça-de-barro feita pelo escravo, mas nos
objetos que confeccionaram recortando o fruto da cabeceira. Geralmente
eram peças de tamanho reduzido: moringuinhas, pratinhos, jarrinhas, etc.
. como ainda hoje não raro encontramos pelo interior.
No intuito de podermos explicar a origem do caxixi os estudiosos
não acharam mais do que essas duas fontes. Da primeira, conclui-se que
essas miniaturas de louça-de-barro representam uma velha tradição na
arte popular portuguesa. Pela segunda ficamos sabendo que objetos
semelhantes eram confeccionados no Brasil, pelos escravos, se cortando
cabaças. Se alguma hipótese havemos de levantar, preferimos o apoio da
primeira. De fato parece-nos razoável considera-se o caxixi - como
manifestação especifica da cerâmica popular - mais uma resultante da
influência colonizadora que, como as demais, em grande parte se
desfiguram, adquirindo, inclusive, denominação nativa.
A PALAVRA CAXIXI
A denominação caxixi vem constituindo um problema de
terminologia folclórica no campo de nossa arte-popular. A palavra tem
sido mencionada com reservas de mistério e insegurança quanto a sua
formação e seu uso para denominar um determinado tipo de cerâmica. Pelo
que se imagina, até hoje, apenas Cecília Meireles esboçou uma
tentativa de explicação para a “misteriosa palavra”, como ela mesma
diz. A ilustre folclorista supõe a possibilidade do termo caxixi haver
derivado de “cochicho” – aqueles apitos de barro, já usados em Portugal,
que, cheios d’água, quando soprados imitam a voz do pássaro do mesmo
nome de “cochichos”, daí a razão porque pondera: “E a palavra “cochicho”
nos faz lembrar sem queremos fazer aqui nenhuma afirmação etimológica
definitiva - o termo “caxixi – cuja explicação não encontramos – e
que, na Bahia, designa miniaturas de louça, executadas em barro,
utilizadas como brinquedos, para crianças e presente de namorados”. E
mais adiante: “Os filólogos é que poderão dizer se ela (a palavra
caxixi) pode provir de “cochicho”," cochichinho”, - o tal assovio de
água – mas a verdade é que não foi enumerado pelo autor do livro O
Artesanato na Bahia-Recôncavo, Carlos José da Costa Pereira, entre as
peças encontradas na interessante feira”. Refere-se ao opúsculo de
Alexandre Bittencourt – “A Feira de Caxixis "– já mencionado aqui.
Primeiro, diga-se de passagem que assovios são muitíssimos usados na
famosa feira. Não propriamente o “cochicho”, mas assovios de barro com a
forma de uma chave que, na verdade, o autor esqueceu, ou não cuidou da
importância de mencionar. Todavia, embora pareça estarmos favorecendo
a hipótese da eminente Cecília Meireles, dela discordamos inteiramente;
mesmo porque, esses assovios, no Brasil, popularmente são mais
conhecidos como “curió” nomenclatura que também relaciona a um
passarinho cujo canto imitam. Por outro lado a palavra caxixi tem em
nossa língua uma outra significação, indicando a aguardente ordinária,
de 14 a 18 graus. Porém, ainda não é com este sentido que desvendaremos
o segredo de seu emprego na caso da cerâmica. Talvez quanto ao vocábulo
significando miniaturas de louça-de-barro, é a de que ele seja
derivado de caxixi – termo regional do Sul da Bahia, empregado para
indicar logro, esperteza, ratonice e coisa semelhante. Assim, a palavra
não surgiu diretamente ligada à louça e sim, à grande feira que todos
os anos, durante a Semana Santa, se realiza em Nazaré para vendê-la.
Uma das tradicionais atitudes populares durante a feira era justamente
furtar a louça. Isto era uma diversão de praxe, característica mesmo do
acontecimento. Enquanto compravam muitos procuravam confundir o
vendedor, tumultuando a escolha, trocando, separando peças;
aproveitam-se da confusão reinante, motivada pela aglomeração de
pessoas sobre o lote de objetos, sem que o vendedor, atordoado pelo
vozerio e pelo movimento, possa prestar atenção a todos. As peças são
pequenas e podem com facilidade ser rapidamente colocadas no bolso,
numa cesta que se traga ao braço, dentro duma peça maior (um jarro ou
uma panela adquirida com esta finalidade) ou sorrateiramente passada
para alguém que de propósito se conserva atrás. Ao fim de tudo,
“honesta e seriamente” pagam mas pagam em geral a metade daquilo que
levaram. Veja-se o que se diz sobre o fato um grande conhecedor da
feira, Alexandre Lopes Bittencourt: “Como nos anos passados, do roubo
de louça, praticado pelos meninos e pelos rapazes irrequietos, se
originam conflitos, carreiras e arranhões. Quebram-se vasos, à vontade.
Vozes veementes protestam. Cruzam-se insolências de bocas devassadas."
Esta é a exceção, contudo verdadeira e não muito rara. O normal era a
tapeação se conservar na maior tranqüilidade, sendo o mesmo vendedor
logrado duas ou três vezes pela mesma pessoa. O tumulto, quando ocorria
da oportunidade ás crianças e a molecada, roubando a louça
acintosamente e fugindo aos gritos de “pega-pega”! O mesmo não acontece
com aqueles que se esmeram na arte de furtar, dos quais aparecem na
feira verdadeiros mestres, que ainda tornam amigos do feirante. Hoje, o
costume vai-se aos poucos desaparecendo. É dessa forma praticado o ato
do caxixi com todas as suas peculiaridades, expressando, com requintes,
a habilidade do caxixeiro – como também chamava no Sul da Bahia,
especialmente em Ilhéus e Itabuna, aqueles que iludem a outrem nas
transações e negócios de dinheiro. Em sua “Onomástica Geral da Geografia
Brasileira”, Bernardino de Souza nos dá a completa explicação do
vocábulo caxixi, que merece ser transcrita na íntegra: “Caxixi: termo do
sul da Bahia, muito correntio nos Municípios de Ilhéus e Itabuna,
designativo de engano, logro e esperteza exercidos na obtenção de
terrenos cacaueiros, fazendas, etc. Para aqui trasladamos, sem mudar
palavra, o que a respeito nos escrever o Dr. Ruy Penalva, brilhante
espírito, fazendeiro na referida zona. "Caxixi: é um roedor das nossas
florestas, pequeno, forte e ágil. Um demônio de vivacidade. Se não é o
esquilo, que nunca vi serão pintado, parece em extremo. Conhecem-no (e
talvez já não exista ali) no Norte da Bahia, com o nome de Caetité.
Aqui, chamam-lhe cotia de pau, papacôco e, mais comumente caxixi sem o
intermédio do marsúpio, lembra o último estágio do murídeo em transição
para o pequeno símio inferior (sagui), cuja evolução parece ter-se
frustrado.Na gíria local, caxixe eqüivale a ratonice, lougro,
esperteza. Um furto, um roubo não constituem caxixe. A traça do negócio
tem que revestir aparências honestas, exterioridades defensáveis para
merecer as honras do caxixi. Ainda quando a violência colabore no
arranjo da melqueira, o disfarce ilude, ocultando-a. É a trapaça; ilude
a boa fé dos incultos e joga, por vezes com a velhacaria da própria
vítima. À força de ser roubado, o matuto tem o instincto jurandi é uma
das melhores e freqüentes armas do caxixeiro é acenar à vítima com a
possibilidade de prejudicar a outrem. Ligam-se, para logo, o caxixeiro e
a vítima, transigem com a mais absoluta confiança e lá se vai roubado o
trouxa que se entregará à discreção para prejudicar a interesses de
terceiros. O vocábulo tem um poder de expressão pinturesca.
O caxixe escapa à mais consumada maestria do escopeteiro que o não
conheça. Tenho visto alguns, abrigados em acidentes de árvores,
inatingíveis. A curva de um galho bem aproveitada é uma trincheira.
Outras vezes cai debaixo da mira e no momento de comprimir o atirador o
gatilho, quando já não pode suspender o movimento, o vivaz diabinho
ocupa posição diametricamente oposta. Contornou o tronco e escondeu-se,
ou desceu, ou subiu um metro e, de cabeça voltada para nós, passou a
ter a cauda voltada para baixo. Esta, muitas vezes, lhe serve de
disfarce. Num galho seco, com o pelo abundante e relativamente longo,
ouriçado, deitado a fio sobre o dorso, dá a impressão perfeita de uma
casa pequena de maribondo, a que chamamos tatu. A figura-se-me uma
intuição genial a do matuto que assim designou a esperteza! Do exposto,
parece-nos perfeitamente lógica a conclusão do termo caxixi não haver
sido originariamente aplicado à louça, mas à feira, como derivado por
modo errado de escrever ou falar a palavra caxixi – Feira do caxixi – e,
por extensão, passando a designar a espécie de cerâmica nela comerciada
com prioridade.
" LOUÇA GROSSA" E "MIUÇALHA"
A louça-de-barro produzida em Maragogipinho dividi-se, no conceito dos
artífices, em dois grandes grupos: “Louça Grossa” e “Miuçalha”.
A “Louça Grossa” compreende as peças maiores, via-de-regra
apenas brunidas ou apresentando ligeira decoração feita com tauá –
arabescos com composições derivadas de espirais ou motivos florais -,
podendo-se incluir neste grupo as moringas pintadas com tinta-esmalte.
São os potes, porrões, talhas, resfriadeiras, moringas, cacos, cestos,
vasos, bilhas, panelas, alguidares, frigideiras, caborés, etc. Estes
últimos,
essencialmente utensílios de cozinha, são confeccionados em barro
amarelado, com ligeiro vidramento interior. Os demais compreendem a louça
brunida, manufaturada em barro vermelho.
As moringas obedecem a uma classificação original. As decoradas com
esmalte são as de maior tamanho e denominadas “moringas de preço”(mais
caras). As outras, menores, quer sejam ou não pintadas com
tauá, são as moringas comuns”.
A “louça grossa” é toda ela trabalhada em torno, sendo que as peças
maiores (como os porrões, as talhas, as resfriadeiras e os portes) são
feitas em duas partes, “soldando-se”depois uma outra com acabamento que
deixa a emenda praticamente imperceptível. Também as moringas são feitas
assim; primeiro bojo, depois a “boca” ) gargalo, seguindo-se a operação
de juntá-los. Sobre os recursos tecnológicos dos oleiros de Maragogipinho,
não há muito para aprendermos em comentários. O equipamento resume-se na
“roda” – torno ampliado em bancada e não apenas o prato giratório – e um
pedaço de bambu (a “cana”) servindo como ferramenta auxiliar da operação
de torneagem. Para o trabalho de brunir, é tudo também muito simples.
Basta um seixo (liso e roliço) e um trapo qualquer. Utilizados ao mesmo
tempo pela brunideira, enquanto o seixo raspa a superfície porosa do
barro, o trapo “puxa o brilho”.
No grupo da “Louça Miuçalha”, estão as quartinhas, mealheiros, tigelas e
panelinhas pintadas, apitos, jarrinhas, incensadores, pequenas botijas e
outras peça menores. Também aqui se incluem os famosos “caxixis” que serão
objeto de estudo especial em capítulo posterior.
A "miuçalha” não é um artigo preponderante entre todos produzidos. São
trabalhos de aprendizes, quer nas confecção quer na decoração. Por essas
pequeninas peças é que as mulheres também se iniciam nas técnica da
pintura. Valem por ser graciosas miniaturas, bastante decorativas,
algumas das quais já deixando transparecer as qualidades do artista em
formação.
A decoração da cerâmica de Maragogipinho apresenta-se de duas maneiras:
pintada com tinta-esmalte e pintada com tauá. Ao fazermos uma rápida
análise destas duas espécies de pintura, verificamos que ambas
nitidamente correspondem a duas influências diferentes.
Dos motivos ornamentais pintados com tauá, os mais característicos são os
que aparecem nos potes, nos porrões, nos alguidares e em alguns cacos-
composições baseadas em arabescos espiralados que deixam quase expressa a
sua origem nos motivos serpentiformes da arte indígena, aliás peculiares
às tribos que habitaram os sertões baianos. Não raro também, “abrem uma
rosa” ( como dizem) – motivo baseado na flor, parecendo apresentar
evidente inspiração européia..
As talhas e as resfriadeiras, outrora ricamente ornamentadas com decoração
em relevo, são hoje mais simples, apresentando figuras geométricas
isoladas, denunciando estilização de folhas.
Porém é na pintura a tinta-esmalte que as decoradoras de Maragogipinho
se esmeram em transmitir a sua arte. Sem nos referirmos às “miuçalhas”,
são as moringas as peças principais deste tipo de pintura. O floral é o
motivo mais freqüente, ressaltando-se a tricomia do verde, vermelho e
amarelo, fazendo fundo para os traços brancos e pretos ao centro da
figura. O conjunto resulta vistoso e com linhas bem equilibradas em
relação ao campo em que é aplicado. Além deste, há o motivo paisagem,
muito variável, mas sempre apoiado em três elementos básicos e
tradicionais: a casinha, o rio e a árvore – o que demonstra a inspiração
oriunda do próprio ambiente, embora a idéia seja alienígena.
Fora disto, existe uma variedade imensa de decorações, mormente na
“miuçalha”, que chega até à aplicação de pequenas manchas multicoloridas
sobre um fundo verde, vermelho ou amarelo. Atualmente, conforme já nos
referimos, iniciaram uma fase nova com a pintura que denominam
“funcional” e que pode ser conseguida com a imersão e o rolamento da
peça num tabuleiro onde se misturam esmaltes de várias cores ou pelo
escorrimento destes mesmos esmaltes de maneira irregular pela superfície
da peça. Disto resulta um efeito cromático de aspecto marmoreado, cuja
aceitação ainda é cedo para se avaliar. Embora as peças assim decoradas
sejam ainda em número reduzido, denota-se uma tendência à generalização
que não nos parece de todo promissora.Toda a produção do caxixi se
verifica na comunidade de Maragogipinho, onde estas miniaturas pertencem
ao grupo das “miuçalhas”. A confecção das “miuçalhas” é quase sempre um
processo de aprendizagem, motivo pelo qual o acabamento e a delicadeza
da peça irão variar na razão direta da habilidade e do adestramento que
já possua o aprendiz. Também não é excepcional o caso em que possa ser
considerada como atividade recreativa, exercida pelas mulheres e
meninas.
No conjunto dos artigos manufaturados em Maragogipinho, a
“miuçalha”, englobando os caxixis, coloca-se em segundo plano na
avaliação do interesse econômico – comercial, melhor dizendo - que venha
a ter para as olarias. Não obstante jamais deixou de ser produzido
porque sempre encontrou aceitação no mercado e vale para os oleiros como
um recurso de enchimento de forno. Tem um consumo ordinariamente
reduzido, pois são poucas as peças do gênero capazes de atender a uma
finalidade utilitária. A grande maioria, quase totalidade, tem fins
decorativos ou lúdicos, destacando-se com proeminência a caxixi
propriamente dito. Fazemos uma ressalva porque atualmente generalizou-se
a denominação caxixi para todas as peças que os oleiros de
Maragogipinho consideram como integrantes da “miuçalha”, quando até
mesmo para eles o caxixi verdadeiro é um produto dentro do grupo de
peças menores que as demais, com nítidas características de miniaturas e
raramente decoradas com tinta esmalte (ao contrário de miuçalha em
geral), pois via-de-regra são vidradas, apresentando uma cor só. O mais
comum é o caxixi amarelo, vidrado com óxido de chumbo, também havendo o
caxixi esverdeado – vidrado com o sulfato de cobre, o caxixi violeta
forte – vidrado com permanganato de potássio e o caxixi de tonalidade
castanha – vidrado com permanganato de cálcio. Mas se há pouco dissemos
que essa peças têm um consumo ordinariamente reduzido, por outro lado
são alvo de uma procura espetacular durante a grande Feira de Caxixis
que uma vez por ano se realiza em Nazaré. Não se vá pensar, todavia que
esta feira tradicional seja exclusivamente dedicada ao caxixi. Apesar da
quantidade de “miuçalhas” nela exposta, também a “louça grossa” lá se
encontra exuberantemente representada; daí porque a Feira embora se
popularizasse com uma designação que parece restringi-la, torna-se uma
espécie de feira-de-amostras anual dos produtos cerâmicos de
Maragogipinho. Assim, o caxixi e as demais “miuçalhas” aparecem como
veículos de propaganda, como elementos motivadores para a compra da
“louça grossa”, de comércio mais compensador.
Enfim, a conclusão lógica de tudo isto está no sentido da tipicidade
da cerâmica de Maragogipinho, o qual, em termos comerciais, poderia ser
classificado como "linguagem da mercadoria".
“QUARTA-FEIRA MAIOR”.
A Quarta-Feira de Semana – chamada pelos mais antigos “Quarta Feira
Maior” é o primeiro dia. Ainda é pouco o movimento. Apenas aqueles
visitantes mais antecipados vêm ver as novidades chegadas, procurando
adquirir logo as peças originais e aproveitar para apreciar a abertura
da Feira dos Caxixis. Entretanto, existem vendedores que nem abre seus
fardos de esteiras e cestos com a louça embalada. Vieram unicamente com o
intuito de “tomar o ponto” e ali ficam dia a noite, reversando-se com
os sócios ou ajudantes – parentes em geral -, aguardando o maior afluxo
de compradores.
Ao correr do dia aportam a todo instante canoas e saveiros – hoje
um fase de extinção -, descarregando a louça trazida de Maragogipinho.
Muita coisa vem por terra, transportada em cangalhos, no lombo dos
jumentos. Novos pontos vão sendo tomados. Olhe-se a praça de cima e
ver-se – a aqui e ali manchas coloridas, com predominância do vermelho,
da louça já arrumada. À noite, começa a algazarra ensurdecedora dos
apitos comprados pela garotada. Estes apitos, com o formato parecido ao
de uma chave, dos quais os feirantes trazem sacos ou caixotes cheios
para vender, são tradicionais na feira e a sua venda em larga escala
resulta num atordoador fundo musical para o acontecimento. A garotada
dos dias atuais já não cumprem o mesmo ritual.
“QUINTA-FEIRA MAIOR”
Na manhã de “quinta-feira Maior," mais louça vem chegando. Área
bem maior já ocupada na praça. O povo a pouco começa a convergir para o
local. Alguns oleiros chamam os visitantes, querendo eles mostrar as
peças. Há quem já começasse a vender. As compras ainda são poucas e o
pessoal vem mais para olhar, perguntar preços, enfim, para ter uma
impressão geral da feira. Quem aproveita a tarde deste dia, ainda
caracterizada pelo desembarque de louça e faz um passeio a
Maragogipinho, durante a viagem cruza a todo instante com as embarcações
que sobem o rio, carregados de cerâmica. Ao chegar ao cais do destrito,
presenciam um grande corre-corre. Muita gente trazendo, embarcando,
conferindo, selecionando e arrumando louça. Tudo afobados, todos
apressados. A feira praticamente começou e agora qualquer atraso
implicará em prejuízo. Quanto mais cedo as peças estiveram em Nazaré,
será tanto maior a possibilidade de vendê-las todas. Demais, é preciso
pegar ainda um bom lugar na praça, em local bem iluminado.
Há também o problema da maré que daqui a pouco entrará na vazante,
tornando a viagem penosa, feita quase toda à força de varejão - grande
vara que auxilia o timoneiro conduzir a embarcação - que embora os
oleiros vêm trabalhando noite e dia, desde o começo de Quaresma, nas
olarias e nas casas das brunideiras se presenciará a mesma labuta. Há
muita louça por acabar, muito caxixi para ser pintado e peças que nem
sequer foram ainda queimadas, hão de chegar à última hora. Os oleiros
falam-nos da feira regozijados porque ela e a festa deles; mas não
deixam de demonstrar um certo descontentamento, uma espécie de
desilusão, se queixando de que tudo ainda muito difícil, o barro está
caro e à medida que o preço aumenta, o tamanho das peças diminui. Não dá
para quase nada. O preço do produto não permite que eles façam as obras
suntuosas de antigamente. A Prefeitura de Nazaré cobra-lhes uma taxa
pelo espaço que ocupam na praça durante os dias da feira, embora o Poder
Público nos últimos anos venha revitalizando e apoiando os oleiros,
ainda há os que perderam todo o interesse e não se fazem representar. Um
outro grupo de oleiro se esforça e luta por reconquistar o encanto
perdido, procurando engrandecer o espetáculo, tentando por todos os
meios levantá-lo. O povo prestigia, acorrendo em massa, porém os
próprios oleiros acorrendo em massa, na sua rusticidade, sentem como nós
que o acontecimento vai gradativamente se desfigurando, perdendo a
intensidade tradicional. O importante entretanto, é que ainda existe e,
apesar de decadente há algumas décadas atrás, deixa-nos a impressão de
com o apoio de novas administrações municipais de Nazaré, a feira viverá
por longo tempo, com possibilidades até de ser renovar e engrandecer,
desde que compreensão dos poderes públicos estimule ainda mais e oriente
a disposição popular.
O PONTO ALTO DA FEIRA
Ao cair da tarde de quinta-feira, a praça já está cheia de
louça e repleta de gente. A feira já começou propriamente. Moças e
rapazes fazem o giro costumeiro de todos os anos. Muitas delas passeiam
sobraçando moringas vistosas ou com as mãos cheias de caxixis. Ao redor
dos vendedores curvam-se os grupos de pessoas comprando ou examinando a
louça exposta. Já começaram os furtos jocosos. Inúmeros senhores trazem
os filhos pequenos que se encantam na orgia colorida da “miuçalha” e
querem comprar tudo que vêem. A zoeira dos apitos se propaga por todos
os cantos. Há os que vendem muito, os que vedem pouco e os que ainda não
venderam nada. Alguém reclama que a feira está fraca e houve a
informação de que há mais barcos por chegar. De fato, Os últimos barcos
vão chegando, ora um, ora outro, espaçadamente.
Essa é a hora boa para se “correr a feira” e, talvez, melhor dia,
porque se tem oportunidade de escolher as melhores peças logo à chegada,
sem o tumulto do dia seguinte. Hora melhor porque ao frescor da tarde,
com a sol poente, ainda com luz natural, se pode observar bem os objetos
e escolhe-los com segurança. Aproximado-se o horário do jantar, a
movimentação resguarda a energia para novamente intensificar-se à noite.
Noutras épocas à noite, apesar do movimento maior, não é tanta a beleza
do espetáculo, pois o colorido da cerâmica perde o efeito sob a luz
elétrica incipiente. Bruxuleiam os fifós, mal iluminando os artigos
daqueles que se localizaram mais distantes dos postes. O ambiente agora
mais favorece ao furto costumeiro do caxixi e, caindo aos poucos, a
agitação da feira segue noite a dentro. Nos dias de hoje tudo é mais
iluminado!
SEXTA FEIRA SANTA
A sexta-feira Santa é o último e grande dia. Não tem muita
diferença dos demais, a não ser pelo movimento que atinge o auge,
começando pela manhã e terminando alta madrugada. As solenidades sacras
da “Procissão do Senhor Morto” atrai gente de todas as localidades
vizinhas - principalmente na atualidade, quando um grupo de teatro
composto de mais de vinte jovens representam a "Paixão e Morte de Nosso
Senhor Jesus Cristo". O pessoal de Maragogipinho acorre a Nazaré,
integrado-se no comércio da cerâmica. À tardinha, muitos feirantes já
venderam quase todo o estoque, enquanto outras se lastimam por estar a
louça “saindo mal” e, por falta de quem lhes ajudem, vivem sendo muito
roubados. A essa altura, já chegou a canoa Estrela do Mar trazendo mais
louças para a feira - está exposta à beira do rio; cuias, jarras,
bonecas, cavalos e bois esmaltados que logo se esgotam pela grande
procura. Compra-se muito e todos os vendedores querem acabar com a
mercadoria para não levá-la de volta. Baixam os preços. As moringas
baixam de preço. O caxixi de um real cai para cinquenta centavos.
Trava-se a luta da concorrência e ecoam os pregões. Repentinamente a
feira parece que se interrompe. O povo quase todo deixa a praça e o
silêncio se faz. São seis horas; dobram os sinos da Matriz anunciando a
saída da “Procissão do Enterro”. Depois o “Beija Pés”, e só lá pelas
oito horas a multidão retorna. Ai, então, a feira vira festa que não tem
hora para terminar, indo ao raiar do dia. Pode-se dizer que toda a
cidade converge para a praça e ali, amaranhando-se em um vai-e-vem
incessante por entre a louça espalhada no chão, - hoje caprichosamente
expostas e prateleiras -, uns compram, outros furtam, outros
apreciam...entre risos, piadas, conversas e tantas outras mais
demonstrações de alegria festeira de povo reunido. Lembra-nos o dístico
de “Largatixa”, a poetisa popular de Nazaré que deu graça a muitas
feiras com a sua presença, como no faz lembrar o nosso folclorista e
escritor Dr. Alexandre Lopes Bittencourt: “Que de povo, chi! pra comprar
caxixi”.
disponível em: http://www.victoriareghia.com.br/?ID=6 acesso em 14 de março de 2014